HISTÓRICO

Galeria de Imagens

CBI-Esplanada, memória e futuro de um edifício moderno em São Paulo

Anat Falbel (anatfalbel@uol.com.br)
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - UNICAMP

Celso Eduardo Ohno (ceohno@uol.com.br)
Departamento do Patrimônio Histórico – SMC – PMSP

SAUDADE SAMPA

CBI

Produto de um momento de desenvolvimento acelerado da indústria imobiliária, no qual a verticalização na área central da cidade era incentivada pela administração municipal, o edifício CBI-Esplanada, datado de 1946, foi empreendido por um grupo de investidores nacionais e imigrantes poloneses que escolheu como responsável pelo projeto o arquiteto Lucjan Korngold.

O edifício não somente rompeu com a escala e o vocabulário historicista do entorno, como se inseriu no movimento da arquitetura moderna do pós-guerra e acabou por tornar-se importante referencial para a aprovação de outros projetos modernos que viriam a ser implantados no centro da cidade nos anos seguintes.

Ao final da década de 1930, a indústria imobiliária em São Paulo experimentava um desenvolvimento e complexidade de modo acelerado e surpreendente, no qual a verticalização da área central alcançava grande destaque, ainda mais com a modernização do sistema viário, resultado da implementação do Plano de Avenidas (desenvolvido por Prestes Maia) e a regulamentação do Código de Obras promovida durante a gestão de Fábio Prado na prefeitura.

O andamento da obra do edifício CBI enfrentou muitas barreiras, haja vista a obra introduzia–se como um elemento estranho e rompia o equilíbrio do conjunto arquitetônico formado no parque Anhangabaú pelos prédios do Teatro Municipal, o Esplanada Hotel, o edifício da Light, o edifício Matarazzo, e os palacetes gêmeos formados pelo Automóvel Clube e a Prefeitura.

O nome é referência à Companhia Brasileira de Investimentos – CBI, criada em 1945, sociedade da qual participavam empreendedores brasileiros,ao lado de imigrantes de origem polonesa, e cuja estrutura possibilitou o erguimento do prédio.

Resumo

O projeto do edifício CBI-Esplanada data de 1946, período caracterizado pelo desenvolvimento acelerado da indústria imobiliária e pela verticalização da área central da cidade, então incentivada pela Administração Municipal. O edifício foi empreendido por um grupo de investidores composto de elementos nacionais e imigrantes de origem polonesa, que escolheram o arquiteto Lucjan Korngold como responsável pelo projeto.

Formado em Varsóvia, testemunha e partícipe das experimentações no campo da arquitetura durante o entre guerras, Korngold chegou ao país em 1940 já com um nome reconhecido entre os arquitetos modernos poloneses. A vivência européia e a maturidade profissional permitiram ao arquiteto enfrentar os desafios de uma proposta inovadora como a do edifício CBI-Esplanada, que não somente rompeu com a escala e o vocabulário historicista dos edifícios ao seu redor, mas tornou-se um marco da história da arquitetura moderna do pós-guerra na América Latina. O partido escolhido, o vocabulário que dialoga com os desenvolvimentos da arquitetura brasileira durante a década de 1940, assim como a ênfase nos aspectos tecnológicos e funcionalistas, e as soluções que resultaram da escala até então incomum do programa tornaram o edifício CBI-Esplanada um referencial para a aprovação dos projetos que viriam a ser implantados no centro da cidade nos anos seguintes.

Ao final da década de 1930, a indústria imobiliária na cidade de São Paulo experimentou um desenvolvimento acelerado com destaque para a verticalização da área central. O processo acompanhou a modernização do sistema viário como resultado da implementação do Plano de Avenidas e a regulamentação do Código de Obras promovida durante a gestão de Fábio Prado (1934-38) na Prefeitura. No curso de duas décadas, a população da cidade dobrou. São Paulo apresentava-se então como a maior metrópole industrial da América Latina, e sua indústria contribuía com 43,2% do produto industrial de todo país.

De frente à antiga porção do Parque do Anhangabaú, aos pés do Teatro Municipal e ao lado da Rua Formosa, na paisagem onde ainda resistiam sinais das diretrizes sugeridas pelo plano de Joseph Antoine Bouvard (1911) (SEGAWA, 2000; TOLEDO, 1996), localizava-se o Esplanada Hotel. Construído entre 1920 e 1923, segundo projeto atribuído à dupla de arquitetos franceses E.L. Viret e G. Marmorat, o edifício de sete andares pertencente à família do Conde Rodolfo Crespi2 constituía, para muitos dos recém chegados, a primeira referência da cidade de São Paulo.

Em maio de 1938, sob a administração do prefeito Francisco Prestes Maia, protocolou-se junto à Prefeitura Municipal, através da Sociedade Comercial Construtora Ltda., o requerimento da Cia. Grandes Hotéis de São Paulo - dirigida pelos proprietários do Esplanada Hotel, os condes Adriano e Raul Crespi - em que foi pedida a aprovação de “um prédio em terreno de sua propriedade à rua Formosa esquina da esplanada do Municipal, para complemento do ‘Esplanada Hotel”. Assinavam o requerimento, os proprietários, que eram cunhados do prefeito anterior (Fabio Prado), o Sr. Heitor Portugal pela Sociedade Comercial e Construtora Ltda, e o arquiteto Elisiário Bahiana. O projeto do “Esplanada Apartamentos”, proposto como ampliação do tradicional hotel, previa uma construção de 28 andares, totalizando uma área de 35.800 m², onde a imponência das grandes massas do edifício, assim como o emprego do vocabulário Beaux-Arts, foi justificada no processo como “condizente com a grandiosidade do conjunto urbanístico que o cerca”. E que, por outro lado, podemos também compreender como parte da necessidade dos empreendedores, imigrantes italianos que enriqueceram na América, de identificar a sua presença na paisagem da cidade que os havia acolhido.

De imediato, os técnicos da Prefeitura do Município levantaram a questão da altura de 121,50 m que contrariava o disposto no ato regulamentador dos gabaritos das edificações da rua Formosa (ato 1.373/38). No entanto, a excepcionalidade do projeto e do programa - cujas referências urbanas foram, sem dúvida, tomadas à imagem das grandes cidades americanas (assim como havia ocorrido por ocasião da construção dos edifícios Sampaio Moreira e Martinelli) - e, ainda, o fato de que se tratava de iniciativa empresarial de uma família com fortes laços tanto na política como na economia do Estado garantiram ao processo um tratamento diferenciado, conforme sugere o parecer do engenheiro Carlos Alberto Gomes Cardim Filho:

“...um grande edifício destinado a hotel, tão necessário para estimular o turismo e com grande salão de festas tão útil para a cidade que é pobre nesse particular; e que finalmente é um prédio de grandes proporções que só virá engrandecer a cidade, sendo de se elogiar a disposição de um particular em inverter tão grande capital num prédio dessa proporção que também irá equilibrar o conjunto dos prédios no local ...”

De fato, após alguns modificativos, que implicaram na substituição de um dos salões por um cinema e na introdução de um sistema de ventilação mecânico - que obrigou à municipalidade a criação de uma legislação específica até então inexistente, o gabarito do edifício foi aprovado com 94,50 m no seu corpo principal e 112,90m no corpo recuado, com as obras de fundações podendo ser iniciadas no final de 1941.

No entanto, por razões desconhecidas a obra foi interrompida e, em fevereiro de 1946, um novo requerimento foi encaminhado à prefeitura. O processo, ora conduzido pelo Escritório Técnico Lucjan Korngold, Arquitetura e Engenharia, em nome de um grupo distinto de proprietários encabeçados pelo Dr. Octavio Guinle, pede uma análise de gabaritos do estudo substitutivo das plantas aprovadas nos processos de 1938 e 1941. Este novo requerimento representou, assim, a memória inicial do CBI-Esplanada, edifício que, apesar da divulgação internacional alcançada durante a segunda metade da década de 1950, foi lembrado depois apenas excepcionalmente - assim como o nome do seu arquiteto - pela historiografia da moderna arquitetura brasileira, vindo a ser recuperado já no final do século 20 (CORONA et alli, 1986; SEGAWA, 1999).

O edifício CBI-Esplanada resultou da iniciativa de um grupo particular de investidores liderados pelo empresário Henryk Spitzman Jordan, imigrante polonês que aportou no Rio de Janeiro, em junho de 1940, refugiado do nazismo. Na Polônia, a família Spitzman havia sido proprietária de poços de petróleo e ele próprio havia atuado como vice-presidente do conselho do sindicato nacional de petróleo. No Brasil, o empresário inseriu-se rapidamente na sociedade local, criando sociedades comerciais, algumas delas ligadas diretamente à construção e à urbanização como a Companhia de Importações, Industrial e Construtora (CIIC) e a Companhia Brasileira de Investimentos (CBI), de 1945, das quais participavam empreendedores nacionais e estrangeiros. Entre os nacionais encontramos a família Guinle e os irmãos Nelson e Wilson Mendes Caldeira, estes dois últimos como representantes da Bolsa de Imóveis de São Paulo, enquanto que entre os estrangeiros estavam especialmente imigrantes de origem polonesa do círculo de Spitzman. As relações mantidas entre o empresário e o também refugiado príncipe polonês Roman Sanguszko, iniciadas ainda na Polônia, permitiram a aproximação de empresários de origem polonesa a Germaine Lucie Burchard, filha de Martinho Burchard, o imigrante judeu alsaciano que chegou ao Brasil na segunda metade do século 19 e que tornou-se responsável por loteamentos em inúmeras áreas ao redor do antigo centro de São Paulo. Pela fortuna do destino, ou através do seu casamento com o príncipe polonês Roman Sanguszko, o capital imobiliário herdado por Germaine a consagrou como figura chave no desenvolvimento do mercado imobiliário da cidade de São Paulo e acabou unindo duas levas imigratórias incidentes na urbanização paulistana.

A primeira dessas levas foi originária da Alsácia Lorena e teve como representantes personalidades como Martinho Burchard e seu sócio Victor Nothmann. As suas iniciativas modernizadoras - relacionadas não somente às atividades imobiliárias, mas também à implementação de serviços de transportes, saneamento, etc. foram desenvolvidas durante o último quartel do século 19 e o início do século 20, ampliando e direcionando o crescimento da cidade a partir do seu centro, através de associações que reuniam estrangeiros e a elite local. O cosmopolitismo do grupo, característica que o distinguiu dos grandes aportes imigratórios do mesmo período, permitiu as associações com o elemento local, assim como a amplitude de suas iniciativas. O paralelismo sugerido entre a leva imigratória descrita acima e o grupo específico de imigrantes poloneses refugiados dos nazi-fascismos europeus e envolvidos na iniciativa do edifício CBI-Esplanada justifica-se exatamente pelo caráter igualmente cosmopolita desse último grupo, cujos integrantes pertenceram a uma elite intelectual e econômica ainda na Polônia. A vivência e a experiência empresarial européias possibilitaram a esses imigrantes - intermediários entre as culturas européia e americana - uma atuação eminentemente moderna onde, no caso de suas iniciativas imobiliárias, também incorporou-se o vocabulário formal das vanguardas.

Nesse sentido, a escolha do arquiteto Lucjan Korngold não deixa de ser significativa. Nascido em Varsóvia em 1897, ele pertencia à mesma elite aculturada de seus empresários comitentes. Formado em 1922, junto à primeira turma da Faculdade de Arquitetura de Varsóvia, Korngold participou e foi testemunha das distintas experimentações no campo da arquitetura e do design modernos desenvolvidas na Polônia recém unificada, que encontrava-se inserida e conectada ao movimento europeu, apesar das graves crises econômicas do período do entre guerras. Os projetos do arquiteto foram divulgados nas revistas de arquitetura polonesas, como Arkady, ou Architektura i Budownictwo, e publicados em revistas européias como a francesa L’Architecture D’Aujourd’hui, e a italiana Architettura, dirigida por Marcello Piacentini.

Refugiado no Brasil, onde aportou em janeiro de 1940, o arquiteto empregou-se no escritório técnico de Francisco Matarazzo Neto, logo após a dissolução da sociedade mantida por este último com o arquiteto Jacques Pilon (PILMAT), responsabilizando-se por projetos de vulto como o edifício Central à rua 15 de Novembro. Em 1944, ainda impedido de atuar profissionalmente como autônomo por conta da legislação trabalhista brasileira, Korngold associou-se por quase dois anos ao arquiteto húngaro Francisco Beck, com quem assinou projetos como o Banco Continental, no Viaduto Boa Vista, e o Edifício Thomas Edison à rua Bráulio Gomes.

O projeto do edifício CBI-Esplanada data do período no qual a sociedade com Beck estava sendo desfeita, e o arquiteto polonês, respeitado e com bons contatos tanto no grupo de imigrantes como na sociedade paulista, já havia alcançado uma relativa experiência em empreendimentos imobiliários na cidade, podendo fazer face aos desafios de um projeto complexo e inovador como aquele que se seguiria.

O substitutivo encaminhado à Prefeitura de São Paulo previa um edifício dividido em três blocos, dois deles somente para escritórios e um terceiro, que abrigaria um hotel com frente para a rua Formosa e para o Parque Anhangabaú. Procurando aproveitar as fundações do projeto original do arquiteto Elisiário Bahiana, Korngold garantiu a unidade do conjunto - ou a “impressão arquitetonica simples e equilibrada que deve caracterizar corpos grandes... n’um lugar tão importante para São Paulo...” - fazendo uso de uma grelha uniforme e independente da estrutura, distribuída ao longo de toda a fachada e disposta em balanço de 1,20 m, com profundidade de até 0,60 m. Conforme o novo projeto, o corpo principal alcançaria 75,0 m e o recuado 92,00 m de altura.

No entanto, a falta de cumplicidade dos técnicos da Prefeitura de São Paulo, com o vocabulário da arquitetura moderna, atrasou o processo de aprovação do projeto por quase dois anos. Os pareceristas eram ex-alunos da Escola Politécnica de São Paulo, formados anteriormente ao final dos anos de 1920, quando, salvo exceções, o movimento moderno brasileiro ainda estava limitado à literatura, à pintura e à escultura. A desconfiança, ou mesmo a falta de familiaridade com a linguagem e os conteúdos da nova arquitetura, a despeito da atividade pioneira de Warchavchik em São Paulo, e das obras produzidas principalmente no Rio de Janeiro pelo grupo carioca, fazia com que o novo desenho – apesar de seguir um programa muito próximo àquele proposto pelo projeto de Elisiário Bahiana – perdesse o “interesse público” aos olhos dos técnicos da Prefeitura. O argumento utilizado por estes últimos para negar a aprovação era de que o projeto introduzia-se no Parque do Anhangabaú como um elemento estranho, rompendo o equilíbrio do conjunto arquitetônico formado pelos prédios do Teatro Municipal, o Esplanada Hotel, o edifício da Light, o edifício Matarazzo, e os dois palacetes do Automóvel Club e da Prefeitura, conforme escreveu em 1946 Cardim Filho, o mesmo parecerista que havia aprovado anteriormente o projeto eclético de Bahiana:

“...[pelo fato] de não mais se tratar de um projeto grandioso de hotel, e que o imóvel vai ser retalhado... cessado o grande interesse coletivo, devemos estudar o projeto por outro prisma, tolerando aquilo que for possível dentro do critério razoável para o caso e fazer respeitar a Lei que no momento é clara e não falha e inexistente nesse particular, o que não se dava quando da época da aprovação do primitivo projeto...”.

Desconhecendo os significados implícitos do vocabulário, os técnicos não podiam compreender que o balanço da fachada constituía um recurso de linguagem, e alegavam que ele poderia incorrer em precedentes graves pois aumentaria “a propriedade privada a custa de um balanço ilegal sobre o leito da via pública”.

Os documentos do processo transcrevem o encontro entre o arquiteto Lucjan Korngold e alguns dos técnicos da Prefeitura, entre os quais Cardim Filho e o secretário de obras, José Amadei. A transcrição do diálogo entre todos os profissionais presentes foi feita por Amadei, e revela a formação e a visão sobre a arquitetura e o urbanismo das cidades brasileiras tanto de Korngold como dos arquitetos da Prefeitura. Korngold discorre sobre as tendências da arquitetura moderna e o significado da ‘beleza técnica’ – “resultado dos desenvolvimentos das novas técnicas e materiais construtivos” – que para ele substituiriam o conceito clássico de beleza. As suas referências urbanas e arquitetônicas transparecem na comparação entre a cidade do Rio de Janeiro - para a qual sugeriu a permanência das linhas européias, em função da natureza circundante - e São Paulo, que para ele estava deixando de ser uma cidade européia para se tornar uma grande cidade americana. Para o arquiteto polonês, o papel dos urbanistas era encontrar um denominador comum de modo que diferentes linguagens arquitetônicas pudessem co-existir, uma ao lado da outra, mantendo o seu valor simbólico. O seu argumento é justificado com a consideração de que “ordem é arquitetura... muita desordem também é arquitetura, mas pouca desordem não tem significação alguma”. Nesse sentido, Korngold salientava a importância da pluralidade de linguagens na paisagem urbana conforme já havia escrito em 1943, ao considerar que uma cultura urbana era resultado da conservação do que denominou “cabeças de ponte”, ou os lugares e os monumentos como testemunhos do passado. Provavelmente influenciado diretamente pela leitura de Camillo Sitte (A Construção das cidades segundo seus princípios artísticos, 1899), mas também ecoando as elaborações da cultura arquitetônica italiana das primeiras décadas do século 20, como os escritos de Gustavo Giovannoni (Vecchie città ed edilizia nuova, 1931), à qual ele talvez tenha tido acesso a partir de sua passagem pela Itália durante a Trienal de 1933, ou posteriormente no escritório de Francisco Matarazzo Neto, Korngold afirmava que o objeto do urbanismo era “...a manutenção da escala própria à cidade quando esta sofre as transformações impostas pelo tempo”. Sendo assim, Korngold percebia o edifício CBI - Esplanada como um elemento na dinâmica das relações espaciais criadas entre o parque do Anhangabaú, a avenida e as obras de responsabilidade dos escritórios Ramos de Azevedo e Samuel das Neves. Elemento este que, mesmo rompendo as perspectivas de Bouvard, era suficientemente significativo para recriar novas relações com a cidade.

No entanto, apesar da aparente boa impressão causada pelo carisma e a erudição de Korngold, e ainda das referências comuns (como deveriam ser as leituras de Camillo Sitte), os técnicos da municipalidade, entre eles Amadei, formado na Escola Politécnica em 1919, não modificaram seu juízo em relação à arquitetura moderna, conforme escreveu este último:

“a arquitetura moderna rompendo com a tradição e o passado ao qual estaríamos indissoluvelmente ligados, procura realçar somente a função da edificação, a técnica construtiva e o material, realizando somente “máquinas de habitar”, e portanto, subjugando o espírito à matéria”

O técnico da Prefeitura não pode perceber a natureza do classicismo na composição tripartite que definia claramente o projeto, como se fora uma coluna clássica dividida entre base, fuste e capitel, assim como que os tracés régulateurs definidos por Le Corbusier aproximavam-se do emprego das ordens, a demonstração perfeita de uma composição harmoniosa (SUMMERSON, 1999) conforme a sua formação lhe fazia acreditar.

A defesa do ecletismo por parte do poder público na cidade de São Paulo, até o final da década de 1940, representou uma condição bastante diferenciada do apoio que a arquitetura moderna de raízes racionalistas encontrou no Rio de Janeiro, desde os meados da década de 30, especialmente na figura do ministro da Educação e Saúde de Getulio Vargas, Gustavo Capanema. Para os intelectuais brasileiros que gravitavam em torno daquele ministério, a modernidade arquitetônica era parte do projeto político de um Estado moderno e da afirmação de uma cultura nacional, o que permitiu que a geração pioneira de arquitetos modernos cariocas fosse também aquela responsável pela criação e formulação das estratégias oficiais do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Em São Paulo, a postura dos técnicos da municipalidade paulista dificultou e atrasou enormemente a aprovação do projeto CBI-Esplanada. Passado mais de um ano de sua entrada na Prefeitura, e da entrega das plantas substitutivas e da documentação exigidas, a demora na aprovação começou a preocupar os incorporadores. Em março de 1947, eles encaminharam um telegrama ao prefeito Abrahão Ribeiro solicitando urgência na aprovação. O prefeito determinou a liberação do alvará, porém, logo a seguir, o arquiteto Christiano Stockler das Neves - reconhecido por sua intransigência frente à linguagem moderna - assumiu a Prefeitura, forçando o encaminhamento do processo à Comissão Revisora. Assim, mais de dois anos após a paralisação das obras, o alvará condicional foi concedido com o compromisso da apresentação de novas fachadas – projeto que foi apresentado em julho de 1947. Entretanto, logo no mês seguinte, Stockler das Neves deixou o cargo e, dessa feita, os pareceres dos técnicos municipais foram todos eles favoráveis ao novo estudo, bem como ao pedido de compensação de áreas que o acompanhava. Assim, o alvará de construção foi liberado em abril de 1948, com as obras já bastante adiantadas, enquanto o Habite-se definitivo foi recebido em 15/02/1951.

As modificações propostas para a fachada resultaram em um modernismo mais classicizante, e encontram suas referências no projeto que Korngold preparou em 1942, ainda como arquiteto-chefe do escritório de Francisco Matarazzo Neto, para o Concurso da nova ala do Ministério das Relações Exteriores. Nele o arquiteto havia sugerido uma solução em dois corpos: o primeiro mais baixo e longo e o segundo, com volumetria muito próxima àquela do CBI-Esplanada, ostentando pórticos em sua base e coroamento e sugerindo um caráter monumental, com o qual o arquiteto já havia operado tanto na Polônia durante a década de 1930, como no edifício Central, em São Paulo.

Mesmo que, em 1943, o arquiteto tenha reconhecido que sua tentativa de empreender um entendimento plástico com a velha cidade do Rio de Janeiro havia falhado (KORNGOLD, 1943), visto que o corpo baixo e comprido terminaria completamente anacrônico na paisagem do novo Rio, no projeto do CBI-Esplanada o arquiteto recuperou o coroamento porticado, dessa feita com sucesso, num edifício de formas geométricas puras cuja organização volumétrica e proporções remetem à obra corbusiana e garantem a qualidade escultórica e monumental do conjunto, longe da anonimidade e monotonia presente em muitas das obras do estilo internacional (JORDY, 1986), e de acordo com os desenvolvimentos posteriores da arquitetura moderna sugeridos após a publicação, em 1943, dos “Nove Pontos da Monumentalidade” pelas mãos de J. L. Sert, S. Giedion e F. Léger.

E se, por um lado, em determinados momentos, as manifestações dos técnicos da Prefeitura deixaram transparecer certo provincianismo ou conservadorismo, é importante mencionar a riqueza das discussões entre projetistas e legisladores a respeito dos critérios formais dos projetos apresentados e a sua relação com a cidade. Essas mesmas discussões praticamente desapareceriam com o tempo, seja porque o projeto transformou-se em um instrumento do empreendimento subjugado pelos interesses do mercado, seja pelo enrijecimento dos códigos de obra e sua interpretação, ambos limitando a experimentação na atividade projetual. Ao mesmo tempo, cabe ainda um reconhecimento à postura dos empresários que apoiaram as iniciativas inovadoras tanto do ponto de vista do vocabulário de formas, como das novas tecnologias e programas.

A inovação técnica, a magnitude do empreendimento e os recursos envolvidos na construção do edifício CBIEsplanada foram destaques em publicações brasileiras e estrangeiras mesmo antes do seu término. Em dezembro de 1948, a revista L’Architecture D’Aujourd’hui publicou uma reportagem sobre a obra, salientando os aspectos tecnológicos e funcionais de sua arquitetura, o arrojo da estrutura de 33 pavimentos, e o volume de 13.450 m³ de concreto, perfazendo uma área total de 50.000 m² (OSSER,1948). No entanto, vale dizer que, originalmente, Korngold havia previsto para o edifício uma estrutura em aço, material com o qual tinha familiaridade desde a Polônia, que não pode ser realizada pois, em 1946, a Companhia Siderúrgica Nacional ainda não possuía capacidade de fornecer os perfis necessários, e a importação do aço americano encareceria o custo da obra, podendo implicar em atrasos no cronograma. Além disso, a dificuldade de contratação de profissionais locais com experiência na montagem de estruturas metálicas de grande envergadura também levou ao uso da estrutura em concreto armado, tecnologia que havia alcançado excelente qualidade no Brasil (VASCONCELOS, 1985;1992).

O estudo do projeto estrutural teve a colaboração do imigrante de origem tcheca Walter Neumann, engenheiro chefe da Sociedade Comercial e Construtora S. A (sucessora da Sociedade Comercial e Construtora Ltda.), também responsável pelo cálculo do projeto original de Elisiário Bahiana para a Cia. Grandes Hotéis de São Paulo (1938). Aquela empresa já havia executado parte das fundações que limitavam o perímetro do edifício de acordo com o projeto de 1938, e permaneceu no canteiro como contratada para a execução da estrutura de concreto armado do novo projeto. Korngold adaptou o seu desenho para permitir o uso das fundações já existentes, sendo que a mudança estrutural mais importante foi a introdução dos dois núcleos de elevadores, construídos como caixões verticais que atuam como pivôs da estrutura portante, absorvendo as cargas de todas as vigas.

Portanto, no caso do edifício CBI-Esplanada, o uso da fachada em balanço independente da estrutura constituía, mais do que um instrumento da retórica modernista, uma necessidade real resultante da adaptação do projeto para o aproveitamento das fundações já existentes. As fachadas sul, norte e leste apresentam uma marquise horizontal de 50 cm formando uma grelha, com espaletas e tremós préfabricados no canteiro, cuja intenção era funcionar como um sistema de brise soleil no qual as janelas eram recuadas em 50 cm, protegendo o interior do edifício contra os ventos e as chuvas tropicais. A solução pode ter tido como referência o projeto de Le Corbusier para o Albergue do Exército da Salvação, em Paris (1933). Certo é que remonta ao que Korngold já havia ensaiado no Edifício Thomas Edison, à rua Bráulio Gomes, em 1944, utilizando um balanço mais acentuado e uma única variação de planos na fachada.

Provavelmente, o arquiteto pretendia repetir a mesma solução utilizada naquele edifício, mas, impedido pelos técnicos, acabou optando pela marquise e pelo recuo das janelas para evidenciar o reticulado e sua função protetora. As janelas foram colocadas ao mesmo tempo que os tremós, sendo fornecidas pela Companhia Brasileira Fichet e Schwartz-Hautmont, e fabricadas a partir de perfis de chapas de aço dobrado, fornecidos especialmente para a obra pela então recém inaugurada CSN.

Numa observação mais atenta do desenho em perspectiva, apresentado por Lucjan Korngold em 1946, constatase que a clássica divisão tripartite do bloco é muito mais sutil que no resultado final. Na primeira, o fuste acentua a verticalidade do conjunto, sugerindo que o arquiteto pretendia dar continuidade ao desenvolvido no Thomas Edison, desta feita tirando proveito da implantação privilegiada que permitia a exposição de pelo menos três das quatro fachadas do edifício. Por outro lado, a solução final do coroamento porticado definiu a imagem do edifício transformando-se em um elemento público e marcante na paisagem da cidade.

Quanto à organização da planta do andar tipo, ela foi marcada pelo rigor racionalista do arquiteto, destacando-se a flexibilidade permitida pelo agenciamento dos núcleos de circulação vertical e sanitários ao redor do átrio central, que ao mesmo tempo garante a ventilação e iluminação. Assim, a área do andar permite diferentes ocupações, seja de modo integral ou em até quatro salões de grandes dimensões.

Neste ponto, devemos mencionar novamente o projeto para o edifício Thomas Edison. Construído em terreno irregular, e tendo que atender à servidão dos terrenos vizinhos e às exigências de recuos laterais, apesar dos recortes percebidos na fachada, o edifício pode ser considerado um ascendente direto do CBI-Esplanada no que diz respeito tanto ao desenvolvimento da planta livre, como na estrutura independente da fachada, possibilitada pela utilização de pilares periféricos e balanços.

Naquele edifício, também uma iniciativa de incorporadores de origem polonesa - Szymon Raskin e Roman Landau, foi alcançada uma área total de 11.744 m², incluindo um porão, térreo com lojas e mezanino e um total de 24 pavimentos. Passadas as dificuldades iniciais durante o processo de aprovação, devidas especialmente à já aludida falta de familiaridade dos técnicos da Prefeitura Municipal com a nova linguagem utilizada, o edifício acabou por transformar-se em referência para a aprovação dos futuros projetos na área central da cidade. Assim, durante a aprovação do projeto do edifício-sede do jornal “O Estado de São Paulo”, apresentado pelo Escritório Jacques Pilon, o parecerista afirmava que a solução oferecida pelo projeto substitutivo (de responsabilidade do arquiteto Franz Heep)

“...poderia ser aceita, principalmente si comparado com o anteriormente apresentado a folhas 13, [solução] que iria destoar, de muito, das torres da biblioteca e do predio projetado por Korngold e Beck (no prolongamento da rua Marconi), de massa, silueta e arquitetura muito mais felizes...”.

A análise das elaborações de Lucjan Korngold para o projeto do CBI-Esplanada revela-se à luz de projetos como o Thomas Edison3, nos quais se destacam o reticulado atuando como brise-soleil, a variação de avanços e recuos nos planos da fachada, e a organização racional e flexibilização dos espaços nas plantas do pavimentotipo. Nesse sentido, sua obra identifica-se com as formulações de outros arquitetos, que no mesmo período encontravam-se igualmente empenhados com novos programas e, sobretudo, na afirmação e evolução da tipologia da torre moderna. Resultante do visionarismo europeu e do pragmatismo americano, a torre moderna encontrou no Brasil um dos seus campos mais férteis, tendo sido interpretada e recriada durante as décadas de 1940 e 1950.

Nesse sentido, as soluções propostas por ele podem ser aproximadas e contrapostas àquelas oferecidas por muitos dos arquitetos modernos cariocas e paulistas, tal como no edifício sito à Av. Ipiranga 570, em São Paulo, projetado pelo escritório Jacques Pilon (que recebeu alvará de construção no mesmo ano do edifício CBI-Esplanada); no sistema de brises-soleil do Edifício do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro; ou nas grelhas projetadas pelos irmãos Roberto para o edifício do Aeroporto Santos Dumont (1937) e o edifício à Av. Copacabana (1945), apresentando modulação muito próxima àquela utilizada por Korngold nos edifícios acima citados.

Tombado pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (CONPRESP) através da resolução 37 de 1992, juntamente com centenas de outros imóveis inseridos no perímetro em torno da área do Vale do Anhangabaú, o edifício CBI-Esplanada teve determinada para si apenas a preservação de suas características externas, sem nenhuma indicação particular ou outra recomendação adicional em reconhecimento à sua importância. Afastada a ameaça de uma eventual descaracterização que poderia vir a acontecer, somente com a superação de uma etapa de serviços que eram indispensáveis para a preservação das boas condições para a sua ocupação e funcionamento - envolvendo reformas sobretudo para a recuperação e modernização de suas redes (instalações elétricas, hidráulicas, telefonia e informação, equipamentos de segurança, etc.) e ainda o saneamento de outras deficiências em sua infra-estrutura - é que a sua administração teve condições para estabelecer como meta a recuperação de suas fachadas, podendo com isso se beneficiar do seu reconhecimento como patrimônio cultural da cidade.

Assim, foi promovida a conservação e, onde mostrou-se necessário, o restauro de seus exteriores de modo a enquadrar os trabalhos dentro das exigências da Lei 12.350/97 e garantir a obtenção da isenção do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), num esforço que, de um lado, confirma uma vez mais a longevidade e a capacidade de adaptação garantida pela sua estrutura racionalizada e, de outro, alinha-se às mais recentes iniciativas de revitalização ora em curso em todo o seu entorno.

Referências Bibliográficas

http://saudadesampa.nafoto.net 28/11/2009 Publicada por Srta. Eli Mendes

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